sábado, 3 de maio de 2008

Tristeza


1

O tempo passou depressa. Levou consigo as pessoas que estavam jogando bola na praça. Eu permaneci no mesmo local. Naquele dia, estive por algum tempo sentado em um sujo banco duro e cinza. Incômodo. Até mesmo aos curiosos que passaram à minha frente: algumas mulheres de braços-dado, que diziam serem amigas; alguns casais de namorados, que proclamavam a fidelidade.
2

Duas velhas aproximaram. Sentaram próximo a mim. Cada uma estava segurando um terço na mão esquerda. Esperavam alguém passar. Ninguém passou. Olharam-me. Cochicharam. Foram embora. Caminharam como as jovens e esbarraram em um cego. Coitado! Caiu. Ninguém o ajudou a levantar-se.

3

No outro lado da praça, avistei um velho mendigo sendo assaltado por dois garotos. Eles correram felizes. Subiram em uma árvore. Esconderam-se. Roubaram também alguns frutos. O pobre velho não entendeu o esquisito sumiço dos moleques, nem mesmo ouviu os risos oriundos do alto da árvore, nem mesmo sentiu as sementes em seus ombros arremessadas por eles. Voltou para o seu lugar. Sentou. Repousou.

4

Bateu-me uma tristeza. Assim, naquele momento, bastava a mim senti-la. Ou apenas tê-la. Para isso, o público me serviu de inspiração.

5

Olhei para o chão. Herança do passado. Quantos já sentaram nesse banco? Tudo estava velho; a calçada, rachada; meu rosto, enrugado e meus pés, sujos de grama. Ela estava sob eles sendo esmagada, torturada. O vivo tapete verde morria a cada movimento meu.
6

Fim da tarde. As babás começaram a chegar com seus falsos filhos. Traziam-nos para brincarem ao léu no “parquinho”. Uma delas parecia não ter muita afinidade com o seu. Ele era um gordinho que brincava sozinho. Notei quando ele chorou, no “balançador”, após tentar alcançar o distante chão com seus pés inchados. Notei quando caiu do brinquedo, sujando-se com a areia do parquinho. Sua babá estava longe conversando com as colegas de trabalho. Enraiveceu-se após ver o gordinho com a roupa coberta de areia. Teria antes lhe alertado para brincar sem sujar a roupa nova. O tempo passou. Levou consigo as crianças e suas patroas. Deixou apenas as marcas das pegadas dos freqüentadores do parque, na areia.

7

A certeza de que o dia estava acabando lembrou a efemeridade da vida. A lua apresentou-se em um formato de vírgula. Por que? Talvez ela estivesse querendo me falar algo. Entendi que minha existência não teria um fim. As estrelas alinhavam-se misteriosamente no espaço revelando os seus poderes pictóricos. As nuvens informavam a minha inferioridade, a minha incapacidade de tocá-las, a minha humilhação diante de tamanha grandiosidade. Exibiam-se. Formando imagens não discerníveis. As árvores gritavam anunciando vida. O vento soprava as sujeiras da tarde. Transformava o local para receber o próximo dia. Talvez o mesmo dia com as mesmas pessoas.

8

Levantei do banco. Eu estava cansado. Caminhei. Meus pés estavam sufocados pelos sapatos apertados. Já era tarde. Estava frio. Minhas mãos pediram outras para se aquecerem. Desejavam uma companhia. Não encontraram. As pessoas estavam em suas prisões. Até os vira-latas noturnos esconderam-se. Silêncio absoluto. Vez por outra interrompido por alguns insetos cantadores. Individualismo do ser humano ou defesa contra os malfeitores? Madrugada triste, eterna. Monótona.

9

O tempo passou. Levou consigo a minha solidão. Levou consigo o meu corpo. Deixou comigo a minha alma.


David Cid

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