sábado, 3 de maio de 2008

Solidão


Senti um vento triste. Tão lento que já não cantava mais. O vendedor de frutas não passou naquele dia. Seria culpa da chuva? Acordei com o barulho da porta do meu quarto. Alguém teria entrado na madrugada? Talvez. Meus livros amanheceram desorganizados sobre a mesa. Lembro-me de ter empilhado-os durante o dia. Eu estava cansado e também com fome. Permaneci deitado. Imóvel olhando para o teto. A cozinha ainda repousava do almoço do dia anterior. Um churrasco para comemorar o meu aniversário. Expostas encontrava-se uma natureza morta. Frutas de plástico acompanhadas de bananas estragadas. O último apartamento do prédio de frente era o que parecia de mais superior naquele ambiente. Na minha sala, ele era apenas um reflexo que chegava do espelho aos meus olhos. O piso da casa estava sujo, marcado ainda pelas sandálias que se foram após o fim da festa. E que festa! Parece até que levaram consigo a minha alegria. E por que não? Quase me esqueci de comer o pedaço de pão que roubei de cima da geladeira vazia. Estive sentado no mesmo sofá por muito tempo, enquanto isso tentei ouvir o que existia por trás da solidão, por trás do silêncio. O tempo demorou tanto a passar que desisti de esperar. Esperar pelo que? Esperar por quem? Talvez a vida não me apresentaria mais novidade alguma. Talvez ninguém mais apareceria. Enquanto isso o telefone tocou quatro ou cinco vezes. Alô? Ligação errada. Já era quase meio-dia, quando resolvi voltar para o meu quarto ao som arrastado do latido do velho cão do vizinho. Fechei a janela para fugir do sol. Meu quarto era virado para o oeste. Deixei com que as persianas caíssem livremente e escondessem os atrevidos raios restantes que tentavam invadir o meu quarto. A porta fechei para isolar o local de qualquer contato com o exterior. Não quis a cama. Ela estava quente. Deitei no chão frio encurvando-me, tentando relembrar a posição fetal e meus primeiros movimentos, procurando recomeçar minha vida a partir daquele instante.


David Cid

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