domingo, 14 de setembro de 2008

Por algum momento


Ele desejava apenas descansar, permanecer apoiado sobre si mesmo. Olhou para trás após ouvir uma voz. Lembrou-se de que estava só. Quem seria o dono daquela voz? Indistinguível. Rabiscou o chão com um giz. Escreveu cinco letras, que representavam talvez o seu nome. Quatro paredes cercavam-no. Habilidosamente protegiam-no, afastando-o do exterior. Arranhou, portanto, a pintura daquela prisão. Faltava algum tempo para a liberdade. Talvez nem soubesse disso. Rasgou a roupa. Sentiu-se bem. Olhou para trás e lá trás, bem lá trás, o corpo desfazia-se em um ritmo descontrolado. Despedia-se daquele lugar. Adeus, bom mundo! Aonde iria? Começou a escalar aquela parede pálida, intacta e imponente. Escorregou cada passo sobre ela. Apontou a direção a seguir. Era o fim ou o início de uma história. Uma história de louco! Do outro lado do mato, havia uma estrada, e foi lá onde tudo começou. Era uma vez um pequeno jardim, todo florido por flores bem floridas... Não, num é assim, não! Era uma vez uma menina bem pequena que andava toda torta com uma torta toda torta na mão torta... Conta, papai! Conta, papai! Cala a boca! Não lembro!Era uma vez um passarinho bonitinho, amarelinho, de biquinho rosadinho, que esperava todos os dias por um dono riquinho... Não, não lembro! O fim daquele deserto era a duas léguas dali. Saindo pela porta de trás da prisão, tem que descer a serra em direção ao oeste, lá ela estará esperando. Ela tem que tá, sim! Ela disse que me esperaria. Acorda! Acorda! Acorda! Levanta daí! Tudo tá quase acabando! Oh minha filha, levanta daí, por favor! Olhou a pele dela suja de areia, toda enferrujada. Mas resolveu deixá-la ali mesmo. Foi quando chegaram e levaram-no para aquele lugar. Desesperava-se para sair! Ela estará muito linda, vamos dançar valsa por toda noite. A minha mulher é bela! Era uma vez a bela e a fera! Não! Eles até disseram isso, mas não sou uma fera! Eu sou um príncipe encantado! Irei salvar-te, minha donzela solitária! Estou quase saindo daqui! As unhas rasgavam a pele branca dele. De repente, um portão preto abriu sob os seus olhos. Era a presença marcante dele. Ele não vai conseguir me matar! Não vai! Lá fora, tinha um rio largo por onde atravessaria a nado mesmo, apesar do perigo. Tentou fugir, mas seguravam-no. Empurravam-no. Amarravam-no! Socorro! As mãos ficavam tão apertadas que se arroxeavam. Ficavam para trás bem unidas e grudadas nas costas dele. Vou-me embora! Na minha casa sou filho do rei! Vou quebrar essa parede quadrada e vou fugir! Olha o que estou dizendo: eu vou fugir! Cala boca, seu burro! Posso te contar um segredo? Era uma vez um... mas se eu te contar, tu promete que num conta pra ninguém? Vou empurrar esse guarda, pegar a sua chave, abrir o portão e correr e correr e correr. É tão fácil, facinho, facinho! Ei, é muito facinho! Não! num vão me ver não! Eu juro! Aí, volto e levo vocês! De repente dormia, como um anjo dormia! Os dias todos dormiam! Adormeciam! Era o momento de esperar o vento informar a direção do novo caminho. Um longo caminho que se formará, em breve, à sua frente, quando aquilo tudo acabar...

David Cid