sábado, 3 de maio de 2008

Símbolo da Noite




... não percebeu quando seu pai o chamou quatro ou cinco vezes. Estava distraído, sentado no balançador enterrando os pés na areia úmida do parque da praça, segurando firme, com as mãos frias, as correntes laterais do brinquedo. O vento intenso agitou a sua cabeleira escura para um e outro lado, ao mesmo tempo em que os grãos-de-areia escondiam-se, às pressas, por trás das unhas claras. Vestido com uma roupa simples e velha sentia-se dono do si, dono do mundo, dono da vida. Mantendo o corpo imóvel, fixou os olhos em um lugar à sua direita e admirou, por um tempo, a sorte das outras crianças acompanhadas por babás. O pai, lentamente, sentou ao seu lado enlaçando as pernas com o braço, como se pedisse perdão pela falta de dinheiro. Estava desempregado há um bom tempo, e aquele era o único presente que lhe poderia “comprar”: um balançador vermelho embrulhado por uma praça velha e solitária...que não era seu, que não era sua! Sábado monótono. Aniversário tedioso. Comemorar o que? Por que? Quem inventou o aniversário? O pouco dinheiro não permitia uma festa, apenas um breve passeio para esquecer, por um instante, a sua realidade. Distantes de casa, eram dois intrusos no meio do nada, pareciam dois objetos perdidos no infinito, longe de tudo, apartados de todos. O pai levantou do chão, sentou no mesmo balançador com o filho no colo e cingiu o pequeno corpo frágil com a sua proteção, tentando persuadir-se de que o mundo, um dia, será menos injusto e tudo, por conseguinte, será diferente. Naquele berço, o menino sentiu-se pai e, ao mesmo tempo, filho de um precioso presente. Alegrou-se ao ver o céu enfeitado de suntuosas estrelas. No centro do firmamento, a face do símbolo da noite desempenhando o papel de um grandioso balão de aniversário. Fechou os olhos, repousou sobre o calor dos braços do pai, tornando aquele dia eterno em suas lembranças.


David Cid

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